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O GLOBO - Elisa Martins - 19/10/2021 - 09:00

Tabu e falta de oportunidade afastam pessoas com transtorno mental do mercado de trabalho

Pessoas com esse diagnóstico lutam para combater estigma e afastar associação com incapacidade profissional

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Diagnosticada com transtorno bipolar, a diretora de marketing Dyene Galantini transformou a experiência em livro: 'Existe um futuro possível', afirma. Foto: Leo Martins / Agência O Globo

SÃO PAULO — Acompanhamento psicológico e medicamentos são essenciais para a saúde mental de Manoel Nogueira, de 55 anos, que recebeu diagnóstico de depressão e transtorno de ansiedade há sete anos. Mas o trabalho, conta, tem sido o melhor remédio.

Repositor de produtos na rede de mercados SuperPrix, no Rio, Nogueira valoriza, além do salário, um lugar no mercado de trabalho, o convívio social e a sensação de ser visto, benefícios muitas vezes negados a pessoas com transtornos mentais no país.

 

— Foi o trabalho que me recuperou — diz. — Para uma pessoa que está com transtorno mental, é essencial conviver com as pessoas, ocupar a cabeça e se sentir útil. A depressão mexe com a memória, com a concentração, e o trabalho me devolveu isso.

Nogueira foi selecionado a partir do Projeto de Inclusão Social pelo Trabalho de Usuários da Rede de Saúde Mental (Pistrab), do Núcleo de Saúde Mental e Trabalho (Nusamt) da Secretaria de Trabalho e Renda do Estado do Rio. O projeto faz a ponte entre pacientes e empresas.

 

— São pessoas que querem trabalhar, e os tratamentos e medicamentos hoje disponíveis tornam as relações profissionais totalmente possíveis para elas. Mas há um descompasso no social. Falta acesso ao mercado de trabalho — diz a psicóloga e psicanalista Doris Rangel Diogo, coordenadora do Polo Pistrab no Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro.

Campeão de ansiedade

Embora muitas empresas venham se pautando em temas de diversidade, a inclusão de profissionais com algum histórico de transtorno mental caminha lentamente. No fim de 2019, 48% dos pacientes atendidos no Pistrab e elegíveis para o trabalho ainda esperavam uma oportunidade.

Tampouco existem leis de incentivo à contratação dessas pessoas no país, que é o mais ansioso do mundo (com 20 milhões de casos) e o quinto mais deprimido (com 12 milhões de casos). Algumas são incluídas pela Lei de Cotas, que estabelece que empresas com cem ou mais empregados preencham parte das vagas com pessoas com deficiência física ou intelectual. Mas o termo, amplo demais, perpetua exclusões.

— Muitas vezes as empresas buscam pessoas com deficiências leves ou escolhem alguma deficiência específica, mantendo o raciocínio de exclusão — diz Doris.

Não à toa, pessoas com diagnóstico de transtorno mental têm receio de admiti-lo a potenciais empregadores. A consultora autônoma Fabiana (ela prefere omitir o sobrenome), de 44 anos, deixou a carreira de executiva em São Paulo em meio a uma depressão.

Tempos depois, com um diagnóstico de transtorno bipolar e tratamento estabilizado, ela tentou retomar a atividade profissional, mas não foi fácil.

— Estava há muito tempo afastada e criei coragem. Mas, na entrevista para uma empresa, fiquei com medo de perguntarem (sobre transtorno). O que eu diria? Mentiria? — lembra. — Existem empresas que perguntam sobre isso e não contratam. E isso acaba com a pessoa que recebeu um diagnóstico, mas tem plena condição de exercer qualquer função.

Recorde de afastamentos

No mês passado, Fabiana e uma amiga, a psicóloga Lucy Portela, fundaram um movimento para combater o estigma de pessoas com diagnósticos de transtorno mental no mercado. Da experiência delas, nasceu o Worthyminds (Mentes que valem).

— O projeto tem o apelo da arte como cura. Há uma vitrine para a exibição de trabalhos. É também um espaço de acolhimento, de depoimentos. E oferecemos apoio a pessoas com o diagnóstico, além de rodas de conversas em empresas — explica Fabiana.

Não há dados oficiais no país sobre trabalhadores com diagnóstico de transtorno mental, e é difícil saber se a ausência de informações causa o estigma ou se o estigma alimenta a falta de dados.

Segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, os dados disponíveis referem-se aos afastamentos (temporários ou permanentes) relacionados a transtornos mentais. Em 2020, foram concedidos 285.221 benefícios de auxílio-doença relacionados a essa causa — o maior patamar dos últimos 14 anos e a terceira maior causa de concessão desse tipo de benefício do INSS no ano passado.

— A Organização Mundial da Saúde alerta que uma em cada quatro pessoas sofrerá com um transtorno de mente ao longo da vida. Apesar disso, são raras as empresas que mantêm um programa de saúde psicológica e emocional para seus empregados. A maioria dos casos ainda é tratada como tabu — diz Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Com tratamento estabilizado, diz Silva, não há nenhum empecilho à atividade profissional de pessoas com diagnóstico de transtorno mental. O estigma acaba relacionado ao desconhecimento na sociedade, que por sua vez leva ao preconceito, discriminação e distanciamento desse grupo, diz o presidente da ABP:

 

— Quando o trabalhador apresenta uma condição cardiovascular, diabetes ou até mesmo trauma ósseo, como ele é tratado pelo médico do trabalho? Por que esse tratamento muda quando falamos de depressão, esquizofrenia ou transtorno bipolar?

Para ajudar a trabalhar o preconceito em relação aos profissionais diagnosticados com transtornos mentais, dizem especialistas, a solução passa por estabelecer um ambiente de cooperação e segurança psicológica nas empresas.

 

— Isso precisa ser bastante conscientizado e alcançar não só as equipes de RH das empresas, que são a porta de entrada na conversa com as empresas sobre esses temas, mas também seus líderes. É um trabalho que envolve todos os colaboradores e lideranças para que dê certo

 

– diz a psicóloga Maria Cristina Barros, participante do movimento “Repensando a Loucura” e sócia-fundadora da Humana Mundi Saúde e Autoconsciência, em São Paulo.

Apoio fez diferença

Há exceções, e elas inspiram otimismo. A executiva Dyene Galantini, de 46 anos, foi diagnosticada com transtorno bipolar há 16 anos. Passou por internação, tratamento, grupos de apoio. Mergulhou fundo no estudo do diagnóstico. Quando melhorou, decidiu contar a amigos e colegas de trabalho, mas com medo.

— Para minha surpresa, meu chefe me apoiou e disse para assumir quem eu era — lembra ela, que é diretora de Marketing Global da consultoria IHS Markit.

 

Em 2017, ela publicou o livro “Vencendo a mente”, que deu origem a um projeto homônimo, com palestras em escolas, organizações e empresas.

 

— Minha meta é a conscientização. Para as pessoas buscarem tratamento, e para as empresas e escolas verem que não somos diferentes — diz. — Quem tem transtorno mental e está estabilizado vive em segredo, porque tem medo do preconceito. E quem não está estabilizado não tem referências. As pessoas precisam ver que existe um futuro possível.

 

WorthyMinds – O projeto pretende eliminar o estigma contra pessoas diagnosticadas com transtornos mentais. Abre espaço também para exibições de arte, relatos e conversas sobre o tema. www.worthyminds.info

 

Vencendo a Mente – O livro lançado em 2017 ganhou projeto homônimo de conscientização sobre transtornos mentais e sobre a importância do diagnóstico e do fim dos estigmas. www.vencendoamente.com.br

Pistrab – O Projeto de Inclusão Social pelo Trabalho de Usuários de Serviços de Saúde Mental (Pistrab) trabalha com a inclusão social de pessoas com diagnósticos de transtornos mentais no mercado formal de trabalho. Para isso, faz a ponte entre empresas e pacientes em acompanhamento nos serviços de Saúde Mental da rede pública. O Pistrab se responsabiliza por acompanhar o paciente/funcionário durante a integração na empresa. São vários polos espalhados pelo Rio de Janeiro. www.pistrab.com.br

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